terça-feira, 25 de agosto de 2009

Geração 80




Em julho de 1984, o Parque Lage foi tomado por 123 jovens artistas, reunidos pelos curadores Marcus Lontra, Paulo Roberto Leal e Sandra Mager, em torno da mostra Como Vai Você, Geração 80?. Entusiasmados com a então recente abertura política, eles estreavam avessos a qualquer tipo de manifesto formal, mas com um objetivo em comum: a retomada do prazer mais genuíno da atividade artística, em contraposição aos movimentos conceituais dos anos 70, o que os levava de volta à pintura, em telas impactantes, tanto no tamanho como nas cores. O otimismo generalizado no país pode ter ajudado, mas o que importa é que o grupo foi aceito sem reservas pelo mercado e pela crítica da época e, sob o rótulo de GERAÇÃO 80, marcou a história da produção artística nacional. Alguns dos nomes lançados na mostra do Parque Lage mantiveram destaque na produção artística como Daniel Senise, Beatriz Milhazes, Jorge Guinle e Karin Lambrecht. A GERAÇÃO 80 marcou uma virada: da arte reflexiva que predominara na década anterior passou-se a uma hegemonia de uma determinada pintura – o medium preferido dos, então, jovens artistas. Na verdade, para alegria de marchands e decoradores, as galerias voltavam a se encher de telas de cores esfuziantes ou de tons sépias, muito mais fáceis de vender do que, digamos, uma instalação ou uma performance. A mesma sinalização seria reiterada, um ano mais tarde, na Bienal de São Paulo, de 1985, sob a curadoria de Sheila Leirner, na qual o corredor das grandes telas ocupou um lugar privilegiado. No Hemisfério Norte, de um lado e do outro do Atlântico, o mesmo fenômeno já se verificara, com resultados surpreendentes do ponto de vista de preços alcançados por jovens pintores. A nova ascensão da pintura havia começado na Alemanha e na Itália, ainda no final dos anos 70, e logo se verificaria, igualmente, nos Estados Unidos. Mais uma vez o Brasil se integrava a uma forte tendência internacional, sem as defasagens em tempo que ocorriam em outras épocas; o desenvolvimento dos meios de comunicação e a intensificação dos contatos internacionais tiveram como resultado uma sincronização mais rápida da periferia com os pólos hegemônicos da metrópole. Esse “retorno à pintura” se efetiva numa conjuntura cultural diferente daquela vigente do final dos anos 60 a meados dos 70. É bom lembrá-la para entendermos melhor o caldo em que se banha a nova geração. O universo que predominou, sob a égide da “desmaterialização do objeto de arte” ou da arte conceitual, apontado por Lucy Lippard, foi, também, aquele do Movimento pelos Direitos Civis dos Negros, pela paz no Vietnã, do Movimento pela Libertação da Mulher e da contracultura; na Europa, houve o Maio de 68 na França, o Outono Quente de 1969 na Itália, os movimentos de contestação na Alemanha. Na Itália e na Alemanha, as facções mais radicais derivaram para uma luta desesperada marcada pelos atos terroristas. Aqui foi a era do AI-5: do silêncio imposto à imprensa e da repressão brutal aos movimentos de resistência pacíficos e armados à ditadura militar, acompanhados de elevados índices de crescimento econômico e intensa distorção da distribuição de renda a favor dos mais ricos. A esse ciclo, alimentados por utopias dos mais variados matizes e marcado por grandes derrotas e pequenas conquistas pulverizadas, sucedeu a ascensão dos yuppies (young urban professionals), o início da era Reagan, o programa armamentista Guerra nas Estrelas e a falência do projeto totalitário do socialismo real. Surgiu como traço dominante nas sociedades ocidentais e, particularmente nos Estados Unidos, uma geração pragmática para a qual os ganhos em Wall Street e o desaparecimento de paradigmas racionalistas justificavam um comportamento fundamentado no individualismo e no elogio da lógica de mercado. Enfim, elementos da ideologia que veio a ser a chamada de neoliberal nas suas práticas macroeconômicas. Coincide com a Geração 80, também, a hipervalorização do mundo das grifes da moda na sociedade de consumo abastada. Fortalecem-se as edições dos livros de auto-ajuda com versões em ficção que se transformam em best sellers mundiais. Aqui se acentuava a falência do projeto político autoritário e se preparava, na luta pelas eleições diretas, a transição para a democracia que temos hoje. Grosso modo, ter uma obra típica dos anos 70 era levar para casa, em certa medida, um problema para pensar. O que não deixava de ser chato para o hedonismo consumista. Agora não, nos anos 80, predominavam as grifes, pendurava-se na parede fulano ou beltrano, tal como se compram determinadas marcas de caneta ou de valise. O nouveau-riche passou a ser chamado, no Brasil, de emergente, e o que antes era kitsch agora era chamado, por exemplo, de “pintura de cores ácidas”, embora pudesse parecer uma ampliação de estamparia de cortina de banheiro, com um rótulo mais sofisticado: pattern painting. Se a recepção estava dominada por essa visão de consumo, a produção, ou, se quiserem, a oferta, era extremamente diversificada na qualidade que podia ser tanto elevada quanto simples lixo.

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